O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana

                     Como tornou possível, na atualidade, o tema dos direitos humanos, ou seja, dos direitos e deveres humanos?

            Celso Lafer, no seu livro A Reconstrução dos Direitos Humanos, examinando o assunto, observa que no Livro do Gênese, da Bíblia, está dito que "Deus criou o ser humano à sua imagem". Assim, o ponto culminante da criação é o ser humano, que tem uma importância suprema na economia do universo. Nesta linha os hebreus sempre sustentaram que a vida é a coisa mais sagrada que há no mundo, e que o ser humano é o ser supremo sobre a terra. Todo ser humano é único, e quem suprime uma existência é como se destruísse o mundo na sua inteireza.

            O cristianismo aclimatou no mundo, por meio da evangelização, a ideia de que cada pessoa humana tem um valor absoluto no plano espiritual, pois Jesus chamou a todos para a salvação. Neste chamamento não "há distinção entre judeu e grego; não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um só em Cristo Jesus". Neste sentido, o ensinamento cristão é tido como um dos elementos formadores da mentalidade que tornou possível o tema dos direitos e deveres humanos.

            O valor da pessoa humana, historicamente, se agregou àquilo que se convencionou chamar de direito natural ou humanismo. Este evidentemente um tema mais amplo porque na concepção d´alguns filósofos - como foi o caso de Locke - abrangia até mesmo a propriedade privada. Aliás, tanto a Declaração de Virgínia, dos Estados Unidos da América, de 1776, quanto a Declaração Francesa, dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, absolveram esta tendência lockiana e nelas a propriedade aparece no rol dos direitos naturais.

            O Brasil recebeu o direito humanista por via da tradição portuguesa. A lei de 11 de agosto de 1827 (criação dos cursos jurídicos) estabeleceu a inserção, no curso de direito, da cadeira de direito natural, justificando da seguinte forma: "O direito natural, ou da razão, é a fonte de todo direito, porque na razão apurada e preparada por boa e luminosa lógica, se vão achar os princípios gerais e universais para regularem todos os direitos, deveres e convenções do homem".

            O humanismo ressurgiu com extraordinário vigor na Alemanha Ocidental, durante o nazismo, para resistência e notadamente após ele, para a restauração da democracia. Depois de ficar subjacente a todo julgamento dos criminosos levados aos diversos Tribunais, notadamente o que mais conhecemos por causa dos filmes, Tribunal de Nuremberg (onde foram julgados, após a Segunda Guerra Mundial, os dirigentes nazistas), o direito natural serviu de fundamento às sentenças da Justiça alemã, anulando velhas decisões baseadas em leis nazistas, e empolgou as cátedras universitárias daquele país.

            Nesta mesma linha de raciocínio, os direitos naturais da pessoa humana encontram-se hoje compilados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU - de 1948, o maior documento jurídico produzido pela humanidade no século XX. A maioria destes direitos fundamentais foi ratificada em Ordenamentos Jurídicos dos diversos países signatários da mencionada declaração, dentre eles o Brasil, em 1992.

            Os direitos humanos foram concebidos como proposta de um sistema de vida integral que abarcasse os âmbitos cultural, econômico, político e social, tanto a nível individual como coletivo, e aplicável a todos, sem qualquer discriminação. Exprimem um desejo de sobrevivência cada vez mais profundo à mediada que cresce a ameaça. Não se contentam em proclamar a sede da vida dos seres humanos, mas tentam permitir concretamente a sobrevivência. Os direitos humanos conscientizam e declaram o que vai sendo adquirido nas lutas sociais e dentro da história, para transformar-se em opção jurídica indeclinável.

Assim, é digno de realce, temos o respeito à dignidade da pessoa humana como fundamento das instituições brasileiras, afinal assim dispõe o Art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.

Bem verdade que da letra da lei à realidade há uma boa distância. Também é verdade que um grande passo já se deu no caminho da sua efetiva aplicação, afinal agora existe mais um instrumental jurídico à disposição do cidadão!

Prof. Lafayette Pozzoli

Coordenador do Mestrado em Direito e Pró-Reitor de

Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão do UNIVEM

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