Quanto tempo se leva para construir uma imagem corporativa? A difícil resposta a esta pergunta pode variar em prazos que vão de anos a décadas, dependendo dos casos. Se o caminho é longo para erguer pilares de respeitabilidade às empresas, destruir todo o trabalho pode vir em um piscar de olhos. "Pela interconectividade digital, a informação se espalha a um ponto onde você passa de afamado a difamado em instantes", defende Mário Sérgio Cortella, keynote speaker do IT Forum 2010, que começou quarta-feira (21/04), na Praia do Forte (Bahia). O filósofo conversou sobre sustentabilidade econômica, técnica, de mercado e ética com exclusividade ao IT Web. Confira!
IT Web - As empresas brasileiras, de uma forma geral, são éticas?
Mário Sérgio Cortella - Se você entender a ética como sendo a proteção da integridade coletiva, da comunidade, dos colaboradores, do mercado, da relação com a área pública, se a entendermos como o conjunto de princípios e valores que dão sustentação a essa questão, temos uma série de abalos dentro do nosso País. Isto é: não podemos dizer que as empresas, em geral, sejam éticas. Aliás, não podemos dizer nem que as pessoas o são.
Isso significa que a ética não é um estado contínuo, mas uma construção cotidiana. Você ou eu, no dia a dia, precisamos fazer um esforço grande para não deslizarmos para os campos do antiético. Não é fácil, por exemplo, obedecer limites de velocidade em uma estrada quando não há radar. Não é fácil, também, não se seduzir pela aquisição de um produto pirata, dado que o custo é muito menor. Há uma série de tentações no cotidiano que exigem uma consolidação de um esforço contínuo.
Desse ponto de vista, todas as vezes que se pode perguntar se as empresas são éticas, a resposta é não. No seu conjunto não são. Em sua maioria, no Brasil, elas ainda não têm uma estrutura que pode ser considerada de uma ética aceitável, mas estamos no caminho. E esse estar no caminho tem uma relação muito direta com o fato de que uma parcela significativa dos consumidores demanda posturas mais éticas. Por outro lado, há toda uma série de regulamentações para que as companhias tenham um comportamento aceitável a medida que sua postura pode arrastar um prejuízo financeiro muito grande. Não é sempre por convicção.
IT Web - Imagino que essa questão das empresas não serem éticas não se configura em uma exclusividade nacional.
Cortella - Pelo contrário. Se você imaginar os derivativos que geraram, com o subprime, a grande crise de 2008, verá que ela teve origem na indecência, no lucro tóxico, na podridão de negócios em vários níveis. O Brasil foi menos afetado que outras economias, além de ter bases econômicas sólidas, mas porque temos uma legislação mais corretiva. Por incrível que pareça, as leis brasileiras protegia mais a ruptura ética, evitando constrangimentos a alguns ilícitos que pudessem ser praticados.
Observando economias de porte no mundo todo, como a chinesa, por exemplo, veremos que a temática ambiental é quase ausente. Isso ocorre mesmo países desenvolvidos. O Japão é outro exemplo. Não é casual que grandes montadoras tenham deixado quebrar a qualidade que anunciavam e agora anunciam recall. Fazem isso porque sofrem processos jurídicos que talvez, se não houvesse litigância, teriam se calado.
IT Web - Nesse mundo corrompível, quais as principais vantagens de seguir uma postura ética?
Cortella - Quem adota uma ética positiva, que é aquela da decência, da honestidade e da transparência, consegue ganhar respeitabilidade em um mercado onde a alta competitividade leva a uma maior possibilidade de ser escolhido e, ao mesmo tempo, não degrada os fundamentos da comunidade onde se instala.
A grande vantagem de não ser ético, em um primeiro momento, é o lucro rápido. A desvantagem é que é um lucro que não tem perenidade e nem sustentação. Como diz a clássica frase: "Um homem que se vende sempre vale menos do que pagaram por ele".
IT Web - Só que a construção dessa respeitabilidade leva muito tempo.
Cortella - Sim. Só que ela se perde em segundos. A Toyota, em uma semana, perdeu US$ 33 bilhões de seu valor de mercado porque anunciou o recall de 8 milhões de veículos. E trata-se de uma empresa respeitável. Além disso, estamos em uma era digital em que esse demorar não é tão longo. Por exemplo, o Google tem dez anos, a Gol [Linhas Aéreas] tem mais ou menos essa mesma idade. A questão não é quanto tempo se demora para construir a imagem, mas em quanto tempo você a destrói. Pela interconectividade digital, a informação se espalha a um ponto onde você passa de afamado a difamado em instantes.
IT Web - Como se dá, na sua opinião, a relação entre a ética e os negócios?
Cortella - A ética precisa ser um componente do negócio. A suposição de que o negócio não precisa ser ético é uma má interpretação. Essa ideia de que o conceito não se aplica ao mundo das empresas, sustentando a regra do "fazemos qualquer negócio" é uma tolice. Aliás, a palavra "lucro", em sua origem no latim, significa "logro". Até o Renascimento, significava "enganar alguém".
IT Web - Um termo pejorativo...
Cortella - Ela ganhará uma conotação positiva só quando se entendeu a necessidade de organização de regras de mercado, que foi feita no fim do mundo medieval pelas corporações de ofício. Aí a noção de lucro passou a ser vista como uma remuneração justa sobre um serviço prestado ou mercadoria vendida. Mas, não há necessidade de vincular, hoje, lucro a logro. Daí, a ética passa a compor a sustentação de um negócio.
IT Web - Tem como definir o quanto uma postura ética agrega de valor para uma organização?
Cortella - Hoje existem algumas formas de econometria que tentam trabalhar essa questão. Não há uma fórmula única para calcular esse ponto, mas há uma contra-fórmula, que é: não fazer determinada coisa pode levar a empresa à falência. Quem mais se aproximou desse tipo de organização econométrica, no Brasil, foi a Natura quando passou a estruturar o retorno positivo de ter uma cadeia produtiva, que vai da floresta até o consumidor, onde houvesse preocupação com questões éticas. A outra que organizou algumas medidas foi a DuPont. Mas não há, ainda, uma fórmula que diga que, se você investir 10 em questões éticas terá um retorno de 50.
IT Web - Portanto, não tem como medir os ganhos efetivos?
Cortella - Ainda não, pois não depende apenas dessa variável. Há várias questões ligadas ao mercado. A fórmula inversa existe. Isto é, não invista na preservação ética e, em breve, sua empresa sairá do circuito.
IT Web - Vejo a palavra sustentabilidade muito vinculada à perpetuação do negócio da empresa. Isso está correto?
Cortella - Claro. Uma empresa não é uma secretaria de bem estar social. Não é governo. Para ela, a sustentabilidade do negócio é o que interessa. Não é inadequado falar isso. É claro, também, que existem empresas oportunistas, que pegam carona nessa onda. Essas precisam rever a postura porque, no mundo de interconectividade, as máscaras caem com certa facilidade. Mas há um grupo grande de companhias com percepções honestas e sinceras sobre o que elas entendem como sustentabilidade. Mas, se ficar só como discurso de marketing, fica muito evanescente.
IT Web - Dá para trabalhar a ética departamentalmente?
Cortella - Sim, mas é preciso, primeiro trabalhar a questão no conjunto da organização, que é quem vai estruturar os valores adotados, o que é possível e o que não, o que é aceito e o que não. Depois você tem as regras específicas para os departamentos. Por exemplo, uma área financeira que trabalha com informações privilegiadas usa um tipo de e-mail diferente da equipe de recursos humanos. Aquele que trabalha marketing terá uma aplicabilidade ética diferente do que atua com comercialização. Os princípios e valores precisam ser os mesmos, mas a natureza de cada departamento tem que contemplar especificidades. Isso não significa éticas específicas, mas princípios gerais que, na aplicabilidade, serão diferentes.
IT Web - Quais as dicas para que os CIOs trabalhem a questão ética?
Cortella - A grande questão é: se tua empresa deixasse de existir, o que mudaria na vida da comunidade? Porque, se há muitas coisas que melhorariam se ela não mais existisse é sinal de que preciso de uma revisão ética profunda e urgente. A segunda pergunta é: minha empresa existindo, que bem ela faz? Quais as condições de melhoria da vida coletiva ela beneficia. A terceira é: quais são os nossos valores que estão sendo encarnados? São apenas formais registrados em um documento difundido há alguns anos sem ser revisitados? Quarto: o que é inaceitável dentro da organização? Aquilo que não queremos, de maneira alguma, que seja feito com o acionista, com o consumidor, com o mercado, com os colaboradores, com o governo? A ultima é: o que queremos na nossa relação?
Ética é relação e a forma como administramos a liberdade. Ela não existiria se só houvesse um indivíduo. Só existe ética porque empresas têm um "s" no final. Não há problema democrático numa ditadura. Você só tem a democracia quando lida com a multiplicidade de opiniões. Então, nessa direção, a ética é aquela que faz o concerto das convivências. É como queremos nos relacionar e o que não aceitamos nos relacionamentos.
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