Costuma-se falar que vivemos hoje na chamada "sociedade da informação", caracterizada pelo posicionamento da "informação" como elemento base de todos os membros da comunidade. Somos ou estamos completamente dependentes da informação, transmitida preferencialmente em tempo real. A grande mudança revolucionária deste alvorecer de um novo século não foi apenas a internet, mas a rapidez com que possibilitou que a informação inundasse todos os quadrantes do globo.

Não conseguimos sair de casa sem nosso telefone celular, "smartfone" ou outros "gadgets", para usar o anglicismo tão em voga nesta seara. Não imaginamos a possibilidade do exercício de qualquer atividade profissional sem um PC conectado à internet. Quase que não conseguimos nos recordar de uma época em que se escreviam cartas, compravam-se selos, sabia-se de memória a localização da agência dos correios mais próxima. Pior do que isso: sentimos embaraço por ainda armazenarmos tais "arquivos" de um passado obsoleto. Parece muitas vezes que "deletamos" as nossas origens e nos comportamos como se fôramos verdadeiramente "nativos digitais", na feliz expressão de Marc Prensky (they are all native speakers of the digital language of computers, video games and the Internet).

O correio eletrônico se tornou a forma de comunicação mais usual de nossos dias. Os mecanismos de busca, a exemplo do Google, possibilitaram o acesso instantâneo a toda e qualquer tipo de informação, em qualquer lugar do planeta.

Todos esses instrumentos comunicativos, ao mesmo tempo em que possibilitam que a informação circule em tempo real, permitem os abusos da circulação, através da veiculação indevida de informações privadas, veiculação distorcida de informações públicas, violação de direitos da personalidade ou, simplesmente, do envio e recebimento de informações indesejadas. Naturalmente tais abusos são passíveis de produzir danos, nascendo, em consequência, o direito à reparação civil.

A grande indagação suscitada no meio jurídico reside em saber se as técnicas atuais em matéria de responsabilidade civil se mostram suficientes e adequadas à reparação dos danos ocorridos ou decorrentes do uso do espaço virtual.

A internet criou uma nova dimensão, tal como um dia previram os escritores de ficção científica. Os fatos, atos e negócios ocorrentes, praticados e celebrados na dimensão física se replicam na dimensão virtual, sem que sofram qualquer alteração em sua natureza jurídica. Muda o ambiente espacial ou dimensional onde os fatos se processam, porém os fundamentos para o tratamento jurídico que lhes deve ser destinado não podem ser alterados. (Não se muda a natureza das coisas!).

Não seria exagero afirmar que tudo o que existe no mundo físico pode ser duplicado ou replicado no espaço virtual. Da celebração de um contrato ao julgamento de uma demanda pelo Poder Judiciário, tudo é "digitalizável". O mesmo se diga no tocante aos eventuais danos que decorram de fatos, atos ou negócios ocorridos no espaço virtual e os mecanismos para sua reparação.

Os pressupostos da responsabilidade civil são os mesmos, quer a conduta antijurídica tenha sido praticada no espaço virtual ou na dimensão física. Técnicas consistentes no redirecionamento da obrigação de indenizar, frente à impossibilidade de se alcançar o verdadeiro autor do dano, proverão respostas adequadas à solução das principais demandas de indenização relacionadas ao espaço virtual.

Entre essas técnicas de redirecionamento passíveis de utilização para a solução das demandas relativas à responsabilidade civil no âmbito do espaço virtual, podemos citar a "responsabilidade de contato" e a "responsabilidade pressuposta".

A chamada responsabilidade de contato, na expressão concebida por Gabriele Tusa, consistiria na ampliação das hipóteses de responsabilidade indireta, afastando a teoria da causalidade adequada. No âmbito do espaço virtual, toda a cadeia de sujeitos envolvida na relação jurídica individualmente considerada seria solidária e integralmente responsável pela reparação, em qualquer circunstância, pela simples constatação do contato entre eles. Assim, o fundamento dessa responsabilidade não seria mais a culpa ou o risco, nem mesmo o fato do produto ou do serviço, mas tão somente o contato mantido pelo indigitado agente do dano e que o ordenamento considere como suficientemente relevante a provocar responsabilização. Ou seja, mesmo o indivíduo que não deu causa direta ao dano pode ser obrigado a repará-lo, em razão de certa relação estabelecida com aquele que foi o seu agente direto.

A técnica da responsabilidade pressuposta foi objeto de tese de livre docência da professora Giselda Hironaka e representa uma tentativa de aplicação da responsabilidade objetiva com fundamento na teoria do risco integral, levando-se em conta o risco qualificado da atividade, a ensejar uma potencialidade de dano de grave intensidade. A aplicação dessa teoria à reparação dos danos relacionados ao uso do espaço virtual permitiria a responsabilização solidária de todos os envolvidos na cadeia de prestação do serviço, inclusive dos provedores de acesso, sendo-lhes facultado, apenas, o direito de regresso contra os agentes diretos, verdadeiros responsáveis.

O rigor dessas teorias se justifica pela abrangência dos danos provocados e disseminados no espaço virtual e a extensão de seus efeitos, muitas vezes incontroláveis, face à quase impossibilidade de fazê-los cessar, uma vez que os arquivos contendo a informação danosa, a imagem lesionadora, a exposição ilícita da privacidade, potencialmente serão baixados e salvos por milhões de usuários, talvez bilhões, que estarão aptos a continuar a difundi-los infinitamente.

A potencialidade lesiva, de altíssima intensidade, dos danos, máxime a rapidez de sua disseminação pelos suportes do mundo virtual, exige, cada vez mais, técnicas rigorosas de apuração da responsabilidade civil, com a ampliação do rol de lesantes, de modo a se poder alcançar sempre a reparação, ainda quando óbices tecnológicos factuais impeçam ou dificultem o acesso ao agente direto.

Antes de prejudicar o desenvolvimento do comércio eletrônico, as novas técnicas de responsabilidade civil haverão de impor a todos os players do espaço virtual maior cautela e redobrada atenção para com os direitos alheios.

Mário Luiz Delgado é advogado e sócio de Martorelli &, Gouveia Advogados

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Fonte: Valor Econômico

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