A Constituição promulgada em 1988 agrega inúmeras matérias relativas a direitos e garantias fundamentais, pois é fruto da recente redemocratização mundial que se operou após o trauma da Segunda Guerra Mundial.
Os regimes totalitários daquela época - como nazismo, fascismo, stalinismo - mesmo sob o império das leis (positivismo) conseguiram introduzir nos sistemas jurídicos institutos que macularam os direitos fundamentais; e isso estimulou o discurso de proteção definitiva desses direitos, não bastando tê-los previstos em constituição, mas sendo necessária a efetiva concretização desses direitos.
A partir de então, todas as normas (leis) precisam, inevitavelmente, ser reinterpretadas a luz dos direitos fundamentais (neoconstitucionalismo). Dessa forma, o Poder Judiciário ascende como protagonista frente aos demais Poderes, e o Supremo Tribunal Federal – STF -, como última palavra e guardião da Constituição, começou a ter a sua atuação de forma diferente dentro de um debate sobre sua legitimidade democrática, uma vez que sua atuação, em alguns momentos, tem sido adversa.
Questões de repercussão política ou social que deveriam ser decididas pelo Congresso Nacional ou pelo Poder Executivo, estão sendo decididas pelo Judiciário num fenômeno conhecido por judicialização.
A judicialização é inerente a atividade jurisdicional: dado o caráter analítico da Constituição e a complexidade da sociedade atual, fica evidente que a maioria das demandas chegarão inevitavelmente ao Poder Judiciário. E este, que não pode se eximir de dar uma resposta à demanda proposta, muitas vezes tem produzido decisões que afrontam a competência dos outros poderes, provocando um debate sobre sua legitimidade.
Assim, eventual ausência de legitimidade do Poder Judiciário é prejudicial à democracia, pois está associada a uma ampla interferência dele no campo de atuação dos demais poderes, podendo macular a harmonia entre eles. É uma hermenêutica proativa e específica do interprete constitucional, expandindo o próprio sentido e alcance da norma ou princípio constitucional.
O problema é se tal circunstância fere a separação de poderes e consequentemente a democracia.
Diante de algumas decisões proferidas pelo STF é possível sim constatar tal situação. Mas, de certa forma, nem todas essas decisões avessas são de todo mal à democracia. Pensemos no caso das uniões homoafetivas. Até então, não havia regra que regulasse a conduta dessas relações; na inércia dos outros Poderes, o STF afirmou que a união estável desses casais era equiparável ao casamento. Isso foi uma importante decisão, mesmo interferindo na atuação de outros Poderes, haja vista que essas relações hoje em dia fazem parte do cotidiano, e que precisam de uma resposta.
Ainda nesta mesma linha de raciocínio, após o julgamento de um único caso, foi expedida Súmula Vinculante estendendo a vedação do nepotismo aos Poderes Legislativo e Executivo, vindo ao encontro de uma querência da sociedade em eliminar a corrupção estabelecida nesses órgãos.
Finalizando, o Poder Judiciário deve ter uma avaliação criteriosa de sua própria atuação, a fim de evitar abusos, se autolimitando espontaneamente, respeitando a esfera dos outros dois Poderes, evitando riscos para a democracia, e assim contribuindo para um resgate desses Poderes que passam por crises institucionais e de credibilidade perante a sociedade como um todo.
Caio César Tenório Garé
Mestrando em Teoria do Direito e do Estado no UNIVEM
mestradojus@univem.edu.br