18/10/2010 - Faculdades privadas de administração e direito reprovadas em exame federal tiveram aumento de candidatos a vaga. É o que conclui estudo de ex-reitor da USP; educadores concordam que a qualidade pesa menos na escolha. FÁBIO TAKAHASHI DE SÃO PAULO RAPHAEL MARCHIORI COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Quando escolheu cursar direito na Unip, Leandro Gomes da Silva, 23, considerou o valor da mensalidade e a proximidade do campus com seu trabalho, na zona sul de São Paulo. Nem sabia que o curso tinha nota baixa no exame federal de qualidade. "A mensalidade de R$ 600 está dentro do meu orçamento, ao contrário de outras universidades consideradas tops. O brasileiro, pela condição social, pensa primeiramente nos custos para depois pensar na qualidade." O caso de Leandro, que deixou as notas do curso em segundo plano no momento de escolher a faculdade, está mais para regra do que para exceção, de acordo com estudo do pesquisador Roberto Leal Lobo, ex-reitor da USP e presidente do Instituto Lobo. Ele verificou que os cursos particulares de administração e direito reprovados no exame federal (notas 1 ou 2 no Enade) tiveram aumento de candidatos no vestibular. Os crescimentos foram de, respectivamente, 45% e 2% entre 2006 e 2008, mesmo após a divulgação das avaliações federais de qualidade. As universidades particulares com fins lucrativos costumam ter mensalidades mais baixas que as comunitárias, que reúnem as PUCs, por exemplo. Estas, em geral, investem mais em professores. Elas chegaram a perder candidatos no período. Áreas com mais matrículas no país, administração e direito foram avaliadas pela primeira vez em 2006 no atual formato do exame. "O maior atrativo aos estudantes menos preparados é ainda, infelizmente, o valor da mensalidade", diz Lobo. A ideia do Ministério da Educação é que a divulgação dos resultados pode diminuir a procura por escolas mal avaliadas. O governo federal criticou o estudo. PREÇO É TUDO Já três educadores ouvidos pela Folha concordam que a qualidade ainda não é primordial na hora da escolha. "As avaliações têm algum impacto, mas, sem recursos, é difícil para o estudante escolher", afirma o presidente do Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade), Simon Schwartzman. "O raciocínio é: se o curso continua aberto é porque não há problema", diz o vice-presidente da Anped (associação de pesquisadores em educação), João Oliveira. "Não podemos esquecer ainda que as instituições privadas fazem propaganda destacando um aspecto que pode evidenciar qualidade." Para o docente da USP Romualdo Portela, "quem sabe o que é Enade ou IGC?" -ele cita exames que avaliam, respectivamente, os cursos e a instituição como um todo. "Como hipótese, é possível que o resultado tenha impacto. Mas não há evidência que isso esteja ocorrendo." MEC afirma que há distorções em estudo Levantamento oficial, que leva em conta matrículas e não inscrições em vestibular, chegou a outra conclusão. Segundo o governo, qualidade de cursos avaliados influencia, sim, na escolha de estudantes brasileiros DE SÃO PAULO O Ministério da Educação discordou dos critérios usados pelo pesquisador Roberto Lobo. A pasta classificou o estudo como "muito ruim". No mês passado, a pasta finalizou estudo interno, publicado pela Folha, cujo resultado diverge do trabalho atual. A conclusão foi que indicadores de qualidade influenciam os estudantes. Os dados mostraram que caiu o número de alunos em instituições mal avaliadas. Os dois estudos utilizaram metodologias diferentes. Um dos principais pontos foi que o ministério considerou matrículas. Para a pasta, o indicador é melhor por examinar quem efetivamente entrou no curso. O ex-reitor da USP diz que há distorção nessa lógica, pois um aluno pode ter se matriculado antes da divulgação da nota do curso. Ou seja, ele poderia não saber se o curso era bom ou ruim. Lobo preferiu usar o número de vestibulandos que disputaram esses cursos. A vantagem, afirma, é poder avaliar a procura pelo curso após a divulgação da sua avaliação de qualidade. O problema, defende o MEC, é que o indicador é impreciso, pois a mesma pessoa pode se inscrever em diversos vestibulares. A reportagem enviou as conclusões dos estudos a três pesquisadores. Todos entenderam que, para os alunos, o valor da mensalidade tem mais peso que as notas dos cursos. UNIVERSIDADES Segundo a Unip, "o aluno até pode entrar na Unip porque é barato, mas não ficaria até o final se não fosse boa". A Uniban diz que a avaliação prejudica quem tem visão diferente da formação dos alunos - e negou haver problemas no campus Tatuapé. "Não é só o aluno que faz a escola", diz estudante COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Patrícia Pinto de Azevedo, 27, 2º ano de direito da Uniban, no campus Tatuapé, diz que sua escolha levou em conta apenas o dinheiro. "Acredito que ninguém que esteja no campus Tatuapé da Uniban tenha a qualidade dos cursos como principal motivo de escolha", afirma a estudante. "Essa história de que quem faz a faculdade é o aluno é balela. Bons alunos também precisam de bons professores e uma estrutura adequada para desenvolver seus potenciais", diz ela. "Posso dizer que hoje teria prestado mais atenção no resultado de exames como o Enade", completa. |
Fonte: Folha de São Paulo |