A PRAÇA, A FEIRA, o mercado, formações urbanas espontâneas que parecem atender uma necessidade humana de aproximação pacífica
Nas metrópoles, questões como distância e segurança vêm impedindo este conviver.
Uma pena, pois desde a antiguidade temos notícias da sua existência. É onde encontramos igualdade temporária e fraternidade, com harmonia na diversidade.
É com o rabo dos olhos que se olha na praça a mulher que passa. E ela sente o tempo que passa sem que seu preferido -o moço da barraca- perceba seu aguardo.
Uns e outros vêm à praça à toa, talvez porque em casa é dia de faxina. Crianças de mãos dadas se olham e entreolham e adultos também.
Uns aproveitam o sol, outros a sombra. Não é preciso pedir licença para estar aí.
As feiras, os campinhos são terra de ninguém. Num canto podem se juntar os numismatas, logo adiante alguns artistas que arriscam expor suas obras. Adiante, meninos vendem doces. Na terra de ninguém, todos são donos.
À primeira vista, São Paulo parece ter poucos espaços públicos! Pobres de nós que não temos onde nos irmanar na diversidade. Nem isto é totalmente verdade.
Restam lugares que não saltam à vista, como as bibliotecas públicas, o Réveillon na Paulista, a Parada Gay, festas novas que vêm para ficar e velhas que continuam. Quermesses estão acabando? Não. Elas não somem, só deixam de ser importantes no calendário.
Existem as feiras anuais e as semanais, como a Benedito Calixto, a Dom Orione, a do Masp, da Liberdade e a centralíssima da praça da República, talvez a mais antiga de todas. Guardados na memória estão passeios que fizemos por aí quando criança.
Espaços informais públicos são parte da identidade de cada um. Os diferentes se encontram e podem se sentir parte do todo. Do encontro de tantos diferentes surge o sentimento de pertencer.
É preciso frequentá-los, levar as crianças e os jovens para evitar a tribalização excessiva. Tudo isso só para que possamos nos sentir em casa, em nossa urbe.
Numa observação informal descobri que São Paulo do centro e dos parques é desconhecido de grande parte dos jovens. Que pena! As escolas tentam uma nova abordagem a que chamam de estudo do meio.
Tentativa nobre! Um pulo à feirinha da Liberdade aos domingos, à praça da República pode ser "uma viagem" como dizem os jovens. Viagem ao pertencimento, à paulistinidade.
ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
amautner@uol.com.br
Fonte: Folha Ilustrada, Terça-feira 10 de agosto de 2010