23/08/2010 - Em uma certa comunidade virtual de adolescentes, abundam erros de ortografia - como "resolvel", "intão" e "considerá" - e gramática - "ia matar ela". Mesmo curtos, os textos claramente não são revisados; por toda a parte há letras dobradas e falta espaçamento entre as palavras. Não se pode negar que o objetivo da troca de mensagens às vezes seja instrutivo: no caso citado, a intenção era inventar uma história coletiva, com cada dezena de palavras escrita por um novo autor. Mas entre os seguidos tropeços no português, até o enredo acabou comprometido. Em certas horas, personagens que não estavam na cena aparecem sem explicação, participando dos diálogos. Para muitos, a internet desponta como vilã dessa narrativa de horror. Especialistas, porém, defendem a rede - ela seria, no máximo, "cúmplice do crime" - e dizem que o problema é bem mais profundo. "A internet tem mais pontos positivos que negativos; é uma nova forma, muito rápida, de acesso a conhecimento", diz Maria Teresa de Freitas, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e autora do livro Leitura e Escrita de Adolescentes na Internet e na Escola. "O negativo é o uso exagerado, em detrimento de outras atividades, e quando se aceita tudo como válido, sem visão crítica." O mundo virtual não está, portanto, na raiz dos problemas dos jovens com a língua portuguesa. "Pesquisas comprovam que o jovem conectado passa mais tempo lendo e escrevendo. Claro que, em sites de relacionamento, a linguagem é abreviada, mais rápida", afirma Teresa. "Mas essa leitura rápida leva a outras leituras. Ele vai lendo mais e tendo mais acesso ao próprio livro." O que faltaria, segundo a professora, seria uma boa orientação de como usar a internet por parte das escolas. Nas escolas, professores e coordenadores têm de lutar para atrair o interesse dos alunos desde pequenos para atividades além da internet. Em especial, atividades que, diferentemente da realidade das múltiplas janelas, desenvolvam a concentração e a reflexão. "Os jovens desenvolveram uma linguagem que é deles, muito ágil, que serve de identidade de grupo. A gente respeita isso, mas trabalha a necessidade de usar uma linguagem mais formal. Afinal, ele tem de se comunicar com todos, não só com seus pares", explica Maria Martinez, diretora pedagógica do Colégio Batista Brasileiro, escola paulistana com melhor nota na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A diretora atribuiu o bom desempenho dos alunos na redação a uma série de programas que começam na pré-escola. Os pequenos têm a Hora do Conto e a Roda da Conversa, quando aprendem a ouvir. Mais tarde, eles são estimulados a jogar jogos de tabuleiro, que, segundo Maria, promovem a "concentração, o foco e o refletir estratégias". E, todos os anos, o aluno que mais tira livros na biblioteca é premiado. "Na nossa sociedade, a praticidade ganhou sobre a concentração. Mas não é só na internet, é na vida como um todo. A comida, por exemplo, é fast food", diz a diretora. "De certa forma, a escola vai na contramão disso." A consultora de português da escola Albert Sabin, Denise Maiolino, concorda que a escola tem outro ritmo, diferente do que o adolescente está acostumado. "Ele tem a atenção difusa, mas não é só pela internet. Assiste à TV, ouve música, tira foto, tudo ao mesmo tempo." A professora reconhece que a internet pode ser uma "ferramenta brilhante" em sala de aula, mas também alerta para seus perigos. "Em determinados contextos, o jovem pode se tornar um reprodutor de textos; dá um "recorta e cola" sem pensar sobre aquilo." Para ela, o ideal é que o aluno transite bem pela internet e sua linguagem própria, mas que também tenha acesso a uma cultura mais profunda. "O trabalho deve começar com a criança ainda pequena, estimulando a leitura de livros", recomenda. Foi assim, desde novo, que o estudante Rodrigo Gutierrez, de 17 anos, criou o hábito de ler e aprendeu a usar diferentes formas de comunicação em diferentes situações. Aluno do 3.º ano do ensino médio do Albert Sabin, Rodrigo passa cerca de uma hora por dia na internet, em geral em sites de relacionamento e conversas com amigos, mas nem por isso tem dificuldades de interpretação de texto ou redação. "Também leio bastante notícias, mas a atenção na internet fica dispersa. Leio um pedaço, converso um pouco", relata. "Mas, na hora de ficar concentrado para ler - adoro literatura -, não tenho problemas", diz o estudante. PRESTE ATENÇÃO 1. Diversidade. A internet tem muito mais recursos que bate-papo e redes sociais. Aproveite para estudar, ler notícias, artigos acadêmicos, baixar livros. 2. Confiabilidade. Na rede, qualquer um escreve o que quiser. Desconfie, investigue e procure outras fontes. 3. Exagero. Não deixe de ler um livro, conversar pessoalmente, ter atividades físicas para ficar online. 4. Zelo. Ao escrever na internet, você pode ter muitos leitores - mais do que na redação da escola. Por isso, capriche no texto. |
Fonte: O Estado de São Paulo |