Com a PEC dos recursos, as ações serão mais rápidas, o Judiciário terá carga menor de processos e os cidadãos terão acesso maior à Justiça
Minha proposta de emenda constitucional, conhecida como PEC dos recursos, tem provocado um bem-vindo e necessário debate.
O intercâmbio democrático de ideias certamente levará ao aperfeiçoamento do texto, no interesse da sociedade brasileira. O debate, porém, já permitiu a análise objetiva de certos mitos que vigoram sobre a Justiça brasileira.
Um deles é o de que a diminuição do número de recursos representaria uma ameaça aos direitos fundamentais dos cidadãos no processo criminal. Trata-se de preocupação legítima, mas que não encontra amparo nos fatos.
Em termos técnicos, a proposta consiste na antecipação do marco que define o trânsito em julgado do processo judicial para a decisão das cortes de segundo grau.
De forma simples, a demanda judicial terminará depois do julgamento do juiz de primeiro grau e do tribunal competente. Recursos às cortes superiores não impediriam a execução das sentenças.
Hoje, um processo comum pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema acarreta graves problemas, como a "eternização" dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça.
Com a PEC dos recursos, as ações serão mais rápidas, o sistema judiciário terá uma carga menor de processos e o cidadão terá acesso maior à Justiça para garantir seus direitos. A medida contribui para a solução de dois problemas: a falta de acesso da maioria da população à Justiça e a lentidão dos processos da minoria que recorre ao Judiciário para a solução de conflitos.
A crítica mais recorrente ao projeto é a relativa à Justiça Criminal.
Se a sentença condenatória à prisão for executada após a decisão de segundo grau, como reparar o dano imposto ao réu injustamente condenado caso a sentença seja reformada pelos tribunais superiores?
Os números mostram que não é o recurso extraordinário, mas o habeas corpus -que não seria atingido pela PEC-, o instrumento mais utilizado para reverter prisões ilegais. Além disso, em 2009 e 2010, dos 64.185 recursos extraordinários e agravos de instrumentos distribuídos aos ministros do STF, apenas 5.307 (cerca de 8%) referiam-se a feitos criminais.
Desses, somente 145 reformaram a decisão das cortes inferiores.
Dos 145, 59 tratavam da execução de condenação já transitada em julgado e 77 foram interpostos pela acusação. Em resumo, se a PEC dos recursos já estivesse em vigor, para a defesa seria indiferente o momento da decisão desses 136 recursos, se antes ou após o trânsito em julgado. Pode-se avançar na análise.
Dos nove recursos da defesa que foram acatados antes do trânsito em julgado (0,16% dos recursos criminais ou 0,014% do total do período), um trata do prazo máximo de medida de segurança, um questiona decreto de prisão sem entrar no mérito da ação penal e três reconhecem nulidades em ações penais que não levariam à prisão, mas a penas alternativas.
Apenas quatro discutiram a condenação por crimes passíveis de prisão -ou seja, 0,006% do total de recursos e agravos.
Em três deles, o STF reconheceu nulidades processuais, e em um único caso houve a efetiva reforma do mérito da condenação.
A remoção dos mitos permitirá a continuidade do debate em bases sólidas. A questão que se coloca à sociedade brasileira é simples: vale a pena manter o regime atual de recursos, que não atende às necessidades de toda a sociedade em questões cíveis, em nome de riscos inexistentes em matéria criminal?
CEZAR PELUSO é presidente do Supremo Tribunal Federal.
Fonte: Folha.com