E isso inclui o digital

24/09/2010 - O faniquito do jogador Neymar – com sua coleção de xingamentos proferidos publicamente e depois a atitude pouca educativa da direção do Santos, demitindo o técnico e avalizando o comportamento irresponsável do jogador – completa um quadro preocupante e que tem relações com o ambiente digital. Lembra-se de um dos jogadores do Santos na twitcam, dizendo que gastava mais com seus cachorros do que as pessoas ganhavam de salários?

Neymar é ídolo. Todo adolescente que gosta de futebol se sente Neymar. E copia Neymar. Inclusive o segue no Twitter. Então, o problema é um pouco de cada um de nós.

Ainda continuo indignada com essa história dos adolescentes anunciando e “fazendo sexo” pela twitcam para ter audiência. Poderia ser só a face mais hedonista da idade mais sem pé nem cabeça pela qual todos passamos. Poderia ser uma brincadeira a mais. Poderia ser coisa de menino desmiolado. Poderia ser tanta coisa menor. Mas não é. É muito maior. É do tamanho de uma palavra que não tem sido levada muito a sério no passado recente: responsabilidade.

A Geração Y, na sua faixa inicial de 16 anos, não pode virar o símbolo do “tudo pode” e “tudo é permitido” só porque a internet e os meios digitais – que lhe dão identificação praticamente “genética” – são efetivamente uma plataforma de socialização e do pleno exercício da democracia e do acesso à informação. Essa história não começa por aí. Muito longe disso.

A grande questão ao ver a proliferação desses casos é que eles correm sério risco de virar paisagem. Como nos filmes de violência no cinema, acomodamos o olhar e viramos presas fáceis da não indignação, da falta de questionamento, do necessário “peraí, isso não é legal!”.

Cenas reais
Essas cenas não são piruetas cenográficas do Arnold Schwarzenegger vestido de “Vingador do Futuro”. O sangue que jorra e mancha a tela não vem de uma cena de batalha do “Ran”, do Kurosawa. E o que desaba não são pessoas atingidas por balas de festim.

O que acontece na web com essas cenas da realidade não acaba depois que a gente desliga o computador (ou sai da sala de cinema depois da catarse). Ao contrário, isso traz para rede um debate do qual não podemos fugir. E devemos incluir nessa discussão as empresas que vendem seus produtos para essa garotada e estão nas redes em busca de diálogo. Isso também é um “problema” delas.

A questão é mais incendiária ainda se a gente lembrar que há os que dizem que isto acontece supostamente em razão do alto grau de compartilhamento de ideias e relacionamentos que a web proporciona!
Ah? Como é que é? Não há a menor hipótese de aceitarmos essas estúpidas versões de que a web é um demônio devasso formando crianças malcriadas e pervertidas por mimos de pais culpados ou desatentos. Ou, o que é pior, como um Grande Irmão, com seu poder infinito, determinando que tipo de índole a molecada vai desenvolver de forma primordial. Não, essa culpa ( existem outras, mas não essa…) a web não tem.

É uma grave distorção e transferência clara de valores. A base da formação do caráter de um cidadão está nos valores da família (ou o que se pareça com) e no que lhe é permitido aprender com permissões e negações.

Internet e a vida
A internet não é pior nem melhor do que a sala de aula, o playground ou a roda de amigos na lanchonete do Ronald. Isso para não falar das baladinhas…

Está na hora de os responsáveis por crianças mal-educadas frearem os egos adolescentes não apenas nas twitcams da vida, mas também na escola, no trabalho, nas esquinas e nos shoppings. Tem muita gente criando cidadãos estranhos, que tudo podem, tudo querem e assim vão construindo – para protagonizarem – comunidades egóicas, exibicionistas e predadoras de práticas sensatas da convivência.

Óbvio que a web tem filtros para que os pais usem. E há muito tempo. Mas é óbvio também que sabemos que, quando desejamos (especialmente os adolescentes), podemos achar os caminhos para fazer as coisas.

Driblar é uma especialidade nacional. E transgredir é bom. Não dá é para perder “a mão”. E é nessa hora que vai prevalecer a ética aprendida, o quanto de caráter se construiu em torno de necessárias crenças ancestrais. Não vem do bit. Vem mesmo, felizmente, do cromossomo, do código genético e das sinapses caseiras. Ou, na mais simples tradução, daquele “rame-rame” chato de pai e mãe que cantarola no ouvido sem parar.

O poder de um tweet
Algumas pessoas não descobriram o poder de um tweet, de um post, ou de uma foto lançados no espaço virtual. Como profissionais – e isso é imperioso -, temos nos preocupados em buscar métricas que nos façam entender como uma informação trafega na rede, quantas pessoas vão ler, que atitudes serão tomadas no contexto de um produto, de uma campanha, da imagem e da reputação de uma pessoa ou entidade pública.

Temos clientes para quem precisamos dar respostas sobre o ROI (retorno do investimento). Trabalhamos com conceitos de engajamento que precisam ser explicados.

Mas, na outra ponta, por analogia reversa, temos que também ficar atentos para twitcams de jogadores de futebol imbecilizados – incluindo os próprios jogadores do Santos, que anteciparam um pouco o que está acontecendo agora – pelo dinheiro e pela nossa paixão pelo futebol e que se transformam em apologistas do preconceito, da fala boba que alcança tantas cabecinhas encantadas com suas vidas de cinderelas do gramado ou de celebridades da televisão.

Cada tweet de um sujeito desses entra como uma injeção de permissão para os garotos e garotas que o acompanham. São as criaturas que antigamente queriam os mesmos tênis, camisetas e bonés de seus ídolos. E hoje querem – mais do que nunca, por tão próximos – suas atitudes irresponsáveis. Ou melhor, diriam: seu estilo. Então tá.

Fico incomodada com os dois lados da questão: os pais sem controle que culpam a liberdade maravilhosa permitida pela rede e, por outro lado, a passividade da rede que, sim, tem seu acomodamento. Não é necessário ser psicólogo, sociólogo ou de qualquer outra área mais específica do estudo do comportamento humano para se posicionar ou usar sua rede de contatos para denunciar de forma veemente essa tendência.

Não é uma questão dos adolescentes Y. É uma questão dos pais X também, principalmente. Aqueles que tudo permitem a seus filhos por ficarem fora de casa quase que o dia inteiro, por só verem seus meninos só quando aqueles já dormem. E aí tem nascido nas “costas” do Protocolo TCP/IP, uma tentativa horrenda de compensar as coisas. E acho que não fica por aí essa responsabilidade, não. Isso tem que ser, sim, um tema dos formadores de opinião, dos geradores de conteúdo e dos influenciadores da web.

Responsabilidades
O mundo não necessita de cidadãos desse tipo. A rede precisa ter responsabilidade para não deixar essas tendências se prolongarem e virarem engraçadinhas e normais. Mas, de fato mesmo, só uma atitude de quem ama para quem é amado (e vice-versa) pode fazer a diferença. O mais é formato.

Com ou sem rede, cidadãos são feitos de uma argamassa especial e isso não está na rede. Pode até ser fortalecido lá (ou deturpado, como estamos vendo). Em todo o caso, vejo crescer com bastante preocupação essa linha de comportamento.

E isso nos traz outro medo: uma hora alguma instância legalizadora munida de suas leis aparece pelas redes para dar travas por aqui. Seria horrível. Não quero isso no meu quintal. Nem isso nem Y retardados, nem pais omissos. Hora de debater o tema com vontade. E é bom deixar a rede de fora de qualquer tipo de censura.

Seria o caso de repetir uma máxima boba infantil, mas que vale bem aqui: “se não sabe jogar, para que desceu para o playground?”
Fonte: IDG Now
 

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