No primeiro semestre de 2010 foram criados 1,5 milhão de empregos no Brasil. O resultado, fruto do forte crescimento da economia brasileira, foi tão positivo que se iniciou uma discussão sobre a possibilidade de o país atingir um quadro de pleno emprego. Essa é uma situação em que só fica desempregado quem está trocando de ocupação ou não quer nenhum posto. Para isso ocorrer, a taxa de desemprego precisa cair a níveis abaixo de 6%. Em julho, essa taxa chegou a 7,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). É uma marca histórica, que só ocorreu no Brasil no início dos anos 70, no famoso "milagre econômico". Se a taxa continuar em queda, é possível que se atinja o pleno emprego ainda este ano. Esses números refletem a situação geral do trabalho no país. Apesar de não haver estatísticas, se fosse analisado apenas o mercado para profissionais qualificados - aqueles com diploma universitário ou formação técnica - ou só o mercado para executivos, há indícios de que a situação é ainda melhor. "Nessa faixa do mercado, talvez já tenhamos chegado ao pleno emprego", diz Fernando Mantovani, gerentegeral da Robert Half, empresa de recrutamento, de São Paulo, que organizou a pesquisa de cargos e salários que faz parte desta reportagem - que você confere aqui em primeira mão.
O mercado de trabalho qualificado é diferente. Quando a crise chegou aqui, em meados de 2008, menos vagas nesse perfil foram fechadas, em comparação ao total de empregos eliminados. Agora, o número de vagas abertas para esse pessoal também é menor, comparativamente. Mesmo assim, a demanda é tão alta que há setores em que já não há gente disponível. "Em áreas como construção civil, infraestrutura, bens de consumo e no mercado financeiro, a escassez é geral", diz Marcelo Ferrari, gerente da Mercer, consultoria de recursos humanos, de São Paulo. A tendência é de que esse cenário se mantenha pelos próximos meses e, em certos casos, como no setor de petróleo, pelos próximos anos. "O crescimento da economia vai ser muito alto este ano, ainda que ocorra uma desaceleração", diz Fernando. Além disso, as faculdades não têm alimentado o mercado com a quantidade necessária de profissionais, o que torna disputado o passe de quem estiver ao alcance dos recrutadores. "Em engenharia e TI, faltam dezenas de milhares de profissionais", diz Francisco Ramirez, professor do Insper, em São Paulo, e dono da ARC Recruiting, empresa de recrutamento de executivos. A seguir, saiba quais são os salários pagos para 155 cargos e quais são as principais tendências para o mercado de trabalho qualificado no Brasil.
BEM REMUNERADOS, MAS SEM EXAGEROS
Este ano, as empresas estão mais contidas na hora de remunerar os novos profissionais, no ato da contratação. Ao contrário do que aconteceu em 2007 e 2008, quando muitos profissionais recebiam propostas com incremento de 50% na remuneração, as ofertas hoje têm ficado na casa dos 20% a 25%. Em alguns casos chegando a 30%. "As empresas erraram no passado, porque os salários foram bastante inflacionados e muitos profissionais não deram o retorno equivalente e esperado", diz Adriana Cambiaghi, gerente da divisão de marketing e vendas da Robert Half. "O custo foi alto e agora as companhias preferem esperar mais para fechar a vaga do que contratar a qualquer preço", completa.
É HORA DE VENDER
Em 2010, o consumo é que está impulsionando a economia brasileira. Para as empresas, o que importa é pôr o pessoal na rua vendendo o que for possível. Por isso, na área comercial(vendas e marketing), os vendedores estão mais valorizados do que os marqueteiros. Pesa contra o marketing o fato de o consumidor estar mais cético com a propaganda tradicional. Estão em alta as ações que valorizam a experiência do cliente - quem é bom nessa área está ganhando bem. Assim, profissionais de inteligência de mercado estão sendo muito demandados.
CARREIRA VIRUTAL
Um dos principais fenômenos da economia brasileira nos últimos anos foi a ascensão das classes C e D como grandes consumidoras. Entre os produtos que as dezenas de milhões de brasileiros passaram a comprar, um merece destaque: o computador. Com novos lares conectados, o comércio eletrônico deu um salto. Segundo a empresa de pesquisas E-Consulting, o número de compradores online deve crescer 27% em 2010, chegando ao universo de 16,9 milhões de pessoas. Empresas de vários setores ampliaram seus negócios pela internet e criam estruturas de tecnologia maiores, com mais funcionários. Varejistas como Carrefour e Leader só iniciaram suas atividades de e-commerce este ano. Há oportunidades para profissionais de TI e de marketing em todos os níveis. "O comércio eletrônico deixou de ser um nicho de mercado e virou uma opção de carreira para profissionais de várias formações", diz Adriana Cambiaghi, da Robert Half.
FINANCEIRO ANTENADO
Para os profi ssionais de finanças que não trabalham em bancos, a principal exigência do mercado é a habilidade de transitar entre as várias áreas da empresa. "O sujeito precisa circular pelas áreas de negócio e se inteirar sobre o que está acontecendo, para oferecer um apoio eficaz", diz Luiz Fernando Fogaça, de 43 anos, que no mês passado foi contratado pela companhia de viagens CVC para o cargo de vice-presidente financeiro. A empresa, que em janeiro deste ano foi vendida ao fundo de investimentos americano Carlyle, está organizando sua abertura de capital e, além de Luiz, trouxe três novos gerentes financeiros. Na área financeira, a bagagem do indivíduo conta muito e, por isso, promover precocemente analistas não funciona. "Por isso, os profissionais que têm entre três e nove anos de experiência estão recebendo as melhores propostas", diz Mário Custódio, gerente da área de finanças da Robert Half.
2 DICAS PARA JOVENS PROFISSIONAIS DE FINANÇAS
1. PROCURE EMPREGO EM ESCRITÓRIOS DE AUDITORIA E CONSULTORIA.
NELES, VOCÊ CONSEGUE ADQUIRIR RAPIDAMENTE CONHECIMENTO DE NORMAS CONTÁBEIS E TAMBÉM DESENVOLVE O SENSO DE ENTREGA.
2. TREINE AS HABILIDADES INTERPESSOAIS. "OS JOVENS TÊM TÉCNICA, MAS PRECISAM SE COMUNICAR MELHOR", DIZ ANDRÉ RODRIGUES, VP DA RHODIA, MULTINACIONAL DA ÁREA QUÍMICA.
ESCASSEZ NA CONSTRUÇÃO
O problema mais grave do mercado brasileiro é a escassez de engenheiros para tocar as obras de infraestrutura previstas e ainda dar conta do boom imobiliário que vem ocorrendo nas cidades. Quem tem experiência em obra é valorizado - e bem pago. A remuneração varia bastante de acordo com o porte, tempo de duração e grau de complexidade da obra. O problema é que a preparação de um bom profissional leva tempo. Resultado: os engenheiros contratados não têm tempo de se adaptar ao novo cargo e já entram assumindo altas responsabilidades. As vagas no mercado ficam em média de dois a três meses abertas. "Falta gente para todas as áreas, desde a parte de projetos até para o canteiro de obras, o que tem sido um freio para o crescimento", diz Eduardo Zaidan, diretor econômico do Sinduscon-SP.
9 % É A PREVISÃO DE CRESCIMENTO DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL NO BRASIL EM 2010.
Fonte: Sinduscon-SP
RETOMADA FORTE
Entre os muitos cargos em alta na construção civil, o gerente de incorporação e expansão é dos mais requisitados. Ele é o responsável por encontrar terrenos e calcular as oportunidades de negócios. Durante a crise esses profissionais perderam importância, já que as empresas do setor preferiram tocar os projetos em andamento e congelar novas aquisições. Muitos foram demitidos. Com o boom do setor, o gerente foi recontratado - e está ganhando 30% a mais do que antes. O engenheiro Daniel Bekeierman, de 27 anos, acaba de ser promovido a gerente de incorporação da Living, empresa do grupo Cyrella com foco na classe C. Há quatro anos na empresa, ele mudará para Fortaleza, onde será responsável da prospecção de terrenos até a entrega das chaves para as regiões de Belém, Manaus, São Luiz e Fortaleza. "Tenho apostado nas oportunidades de crescimento de carreira que têm surgido", diz Daniel.
RH BEM COTADO
Como a atração, a contratação e a retenção de pessoas viraram uma questão central nas empresas, a área de RH ganhou uma importância nunca antes vista. "Em algumas empresas, esse profissional já é o segundo maior salário, após o presidente", diz Marcelo Ferrari, da consultoria Mercer. Para saber em que ponto o RH está valorizado, basta observa o mercado: quanto maior a escassez de pessoal num setor, mais bem remunerada está a área de RH. A carga de trabalho aumenta na mesma proporção.
37 % É O AUMENTO NA DEMANDA POR EXECUTIVOS DE RH NO BRASIL EM 2010, NA COMPARAÇÃO COM O ANO PASSADO.
Fonte: DBM
O DIRETOR POLIVALENTE
Em indústrias de médio porte, que passaram por um processo de enxugamento de estrutura, o diretor industrial não é mais um profissional focado apenas na linha de produção. Agora, as companhias procuram preencher esse cargo com profissionais capazes de acumular outras atividades, como logística, manutenção, áreas administrativas e, em alguns casos, até recursos humanos. "Quem tem habilidade de exercer mais de uma função está valorizado", diz Roberto Britto, gerente da divisão de engenharia da Robert Half.
HABLAS ESPAÑOL?
O inglês é mais do que nunca um pré-requisito para a maioria das vagas. Mas, agora, como o Brasil tem assumido o papel de base de operações das empresas que mantêm negócios na América Latina, o espanhol ganha muito mais importância. O espanhol, e não o portunhol, ressalte-se. "Cresceu em 30% a exigência do idioma nos processos seletivos", diz Adriana Cambiaghi, gerente da divisão de marketing e vendas da Robert Half.
O UNIVERSO DAS START UPS
As obras de infraestrutura, o petróleo e a alta do consumo interno estão levando empresas do mundo inteiro a abrir negócios no Brasil. Essas start ups viraram uma grande alternativa de emprego para profissionais, principalmente das áreas de finanças e de vendas, os primeiros cargos a serem contratados. O Sany Group, da China, pretende vender máquinas para obras de infraestrutura e abriu sua filial em fevereiro deste ano. A empresa procura mais de cem profissionais de nível gerencial. "Está difícil encontrar vendedores com conhecimento nessa área", diz Adenilson Carvalho, diretor de RH do Sany do Brasil. Como o investimento inicial em uma operação é alto, as start ups estão de olho nos profissionais que ainda não têm uma remuneração top, para não onerar demais a folha de pagamento no lançamento. Alexandre Gibim, de 36 anos, diretor comercial da Astellas Farma, farmacêutica japonesa, foi atraído para a companhia não pelo salário, mas pelos desafios. "Você precisa atuar em várias pontas e assim se desenvolve mais rapidamente", diz. Aviso: nessas empresas, fluência em inglês é imprescindível.
A VEZ DOS EXPERIENTES
Para algumas funções e áreas em alta neste momento no Brasil, o diferencial mesmo é a experiência do profissional. No setor de infraestrutura, que está em franca expansão por causa do crescimento econômico e dos eventos esportivos, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 (ambas no Brasil), as companhias estão recorrendo bastante à turma que já se aposentou. "Profissionais para elaborar orçamentos e montar propostas são os mais requisitados, porque eles têm experiência e sabem avaliar possíveis riscos com muita precisão", diz Roberto Britto, gerente da divisão de engenharia da consultoria Robert Half, que recentemente contratou um engenheiro de 72 anos para uma empresa de infraestrutura.
BANCOS DE INVESTIMENTO
As áreas de fusões e aquisições e de project finance (financiamento de projetos), que avaliam e estruturam operações financeiras de porte, são as vedetes do mercado financeiro. Grandes aquisições como a da Quattor pela Braskem, que criou a oitava maior petrolífera do mundo, em janeiro, agitam essas áreas e colocam seus profissionais em evidência. "Quem trabalha com isso está permanentemente assediado por propostas de emprego", diz Fabio Saad, gerente da divisão de mercado financeiro da consultoria Robert Half. São eles também que recebem os maiores salários do setor que mais paga no Brasil. Mas fazer parte desse clube de 3 000 profissionais brasileiros não é fácil. Os talentos são recrutados nas faculdades de elite, como a Escola Politécnica da USP e a Fundação Getulio Vargas, e forjados no duro cotidiano do mercado. "Sobrevivem os que entregam resultados, sabem se comunicar e não se abalam emocionalmente", diz Fabio Saad.
RITMO PESADO
Apesar dos altos salários, o mercado financeiro faz com que os profissionais trabalhem mais de 13 horas por dia. E a aposentadoria chega cedo para quem é da área de fusões e aquisições: a maioria não aguenta a carga depois dos 40 anos.
44,2 BILHÕES DE DÓLARES FORAM MOVIMENTADOS EM FUSÕES E AQUI SIÇÕES QUE ENVOLVERAM EMPRESAS BRASILEIRAS NO PRIMEIRO SE MESTRE DESTE ANO
51,3% FOI O AUMENTO DOS VALORES EM COMPARAÇÃO AO MESMO PERÍODO DE 2009
Fonte: Thomson Reuters
EUA X EUROPA
Os bancos de investimentos americanos estão pagando mais do que seus rivais europeus. Isso sempre ocorreu, mas após a crise econômica a diferença se acentuou ainda mais. Para abrandar a declaração dos bônus dos executivos, as instituições que receberam ajuda do governo americano optaram por incorporar a remuneração variável ao salário básico dos profissionais. "Eles integraram até 60% dos bônus ao fixo", diz Fabio Saad, da consultoria Robert Half. Os europeus não tomaram essa atitude e fi caram expostos ao assédio dos rivais. Resultado: diversos profissionais trocaram bancos europeus por americanos. Só no segundo trimestre deste ano as coisas começaram a se recompor. "Poucos profissionais fazem bem esse trabalho e, por isso, é importante que a remuneração seja alta, para reter o pessoal", completa Fabio.