Conciliar a carreira com a maternidade é um dos grandes dilemas da mulher moderna — e exige concessões

Está na hora de buscar o filho na escola e o chefe chama você para uma conferência de emergência. Mais uma viagem de negócios foi marcada bem no dia da reunião de pais. A babá precisa ir embora e a apresentação de um cliente importante ainda não ficou pronta. O celular não para de tocar com demandas de trabalho justo na hora da consulta no pediatra. 

Se você é mãe, certamente já passou por muitas situações desse tipo — e sabe que não é nada fácil conciliar carreira com maternidade. Mesmo depois de todos os avanços da sociedade em relação à igualdade dos sexos, a dupla jornada da mulher ainda não é uma questão tão bem resolvida assim.

Se no ambiente de trabalho a situação já evoluiu bastante nas últimas décadas, em casa esse tão sonhado equilíbrio ainda está longe de ser atingido. Uma pesquisa feita pela psicóloga Cecília Troiano com 850 profissionais brasileiras das classes A e B mostrou, por exemplo, que 67% delas são responsáveis por acordar os filhos, ante 10% dos pais; que na reunião da escola há 75% de mães e 6% de pais; e apenas 4% deles levam seus filhos ao médico, ante 91% das mulheres.

"A família ocupa espaço na mente e na agenda das mulheres profissionais porque, na maioria dos lares, ainda cabe a elas administrá-la", diz Cecília, que também é autora do livro Vida de Equilibrista - Dores e Delícias da Mãe Que Trabalha, da Editora Cultrix. Ou seja, por mais que os homens ajudem, são as mulheres que acabam fi cando com a maior parte das tarefas domésticas.

De acordo com Cecília, escolher ser mãe implica, necessariamente, abrir mão de algumas metas profissionais, ou pelo menos diminuir o ritmo durante alguns períodos. "Em geral, essa escolha precisa ser feita na fase de maior possibilidade de ascensão na carreira, entre 27 e 34 anos", afirma a pesquisadora. Ironicamente, essa fase corresponde ao período mais apropriado biologicamente para a mulher ter filhos. Ser mãe cedo demais pode comprometer a vida profissional. Por outro lado, demorar muito pode trazer frustrações e diminuir a chance de engravidar.

Afinal, qual a hora certa para chamar a cegonha? "Essa é uma das questões que mais afligem as mulheres e não há uma receita pronta. Cada uma deve avaliar os prós e os contras de cada situação", diz Cecília. Depois que os filhos nascem, são poucas as profissionais que se dizem satisfeitas com o equilíbrio entre família e trabalho.

Em 2008, uma pesquisa realizada pela psicóloga Betania Tanure, professora da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, Minas Gerais, mostrou que 75% das 1 034 mulheres de nível gerencial entrevistadas afirmaram estar insatisfeitas com a distribuição do tempo para si próprias e para a família. Curiosamente, 95,3% das executivas disseram acreditar ser possível conciliar vida familiar e carreira. Mas a maioria que diz ser teoricamente possível reconhece que não consegue. Está lançado o desafio.

TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE COM O EMPREGADOR
Há quatro anos, quando a administradora de empresas Andréia Chovghi, de 36 anos, decidiu engravidar, a primeira coisa que fez foi negociar com a Copagaz, empresa em que trabalha há quase duas décadas, uma transferência de cidade. Nascida, criada, formada e casada em Campinas, a 80 quilômetros da capital paulista, Andréia estava vivendo em São Paulo desde que fora convidada a assumir o cargo de gerente-geral de uma das filiais da companhia. 

A mudança nunca havia sido um problema para ela e para o marido — até a chegada de Lucas. "Com nosso ritmo de trabalho era essencial contar com o apoio das avós." Quando estava grávida de três meses, a transferência de Andréia foi aprovada e ela assumiu a gerência-geral da filial de Paulínea, a menos de meia hora de sua casa em Campinas. 

Hoje, um dos maiores desafios da dupla jornada como executiva e mãe de Lucas e Felipe, de 10 meses, é conciliar as viagens de trabalho com o papel de mãe. "Depois que meus filhos nasceram, passei a evitar viagens que durem mais de um dia", diz. Para isso, Andréia teve de aprender a delegar mais tarefas e responsabilidades para sua equipe. "Foi um ótimo exercício para todos", afirma. 

Para a gerente, o grande conselho para conseguir administrar trabalho e família é sempre jogar limpo com os envolvidos. "Quando resolvi engravidar, algumas amigas ficaram receosas de eu abrir o jogo com a empresa", conta. "Foi a melhor coisa que fiz. Só temos a ganhar quando somos transparentes."

A estrutura de berçário oferecida pela empresa foi fundamental EMPRESA AMIGA DAS MAMÃES FAZ A DIFERENÇA
A analista de sistemas Simone Okudi, de 37 anos, gerente sênior de business solution da Avon, em São Paulo, finalmente irá concretizar um antigo projeto: fazer MBA. Agora que seus dois filhos estão um pouco maiores — Fernando tem 7 anos e Ricardo está com 3 —, ela conseguiu uma brecha na agenda para voltar a estudar.

"Demorou um pouco, mas tudo é uma questão de planejamento", conta. Simone trabalha na Avon há 15 anos. Começou como analista de sistemas e, ao longo desse período, foi recebendo promoções, inclusive depois de ser mãe.

Simone Okudi, 37 anos, gerente sênior de business solution da Avon

A última delas aconteceu logo após o nascimento do caçula. A estrutura de berçário oferecido pela empresa aos filhos dos funcionários foi fundamental para ela conseguir tocar os novos desafios profissionais e ainda amamentar, trocar fraldas e buscar o mais velho na escola.

Depois que se tornou mãe, Simone adquiriu certa flexibilidade quanto aos horários e ao local de trabalho. "O fato de eu trabalhar em casa quando meus filhos estão doentes não compromete em nada meu rendimento. Pelo contrário: consigo me concentrar melhor."

Conciliar as viagens de negócios com as férias foi uma alternativa que a executiva encontrou para equilibrar os afazeres profissionais com a vida familiar. Em janeiro, uma viagem a trabalho para Nova York foi esticada para uma semana a mais com o marido e os filhos. "Eles adoraram. Até hoje falam do Rei Leão e do Museu de História Natural", diz Simone.

EM BUSCA DE UMA SOLUÇÃO
Conheça algumas iniciativas fora do Brasil para ajudar as executivas a encontrar espaço
na agenda para conciliar a vida pessoal, a profissional e a família.

Enquanto no Brasil a dupla jornada feminina ainda vem sendo tratada de forma isolada por algumas companhias, no exterior já existem iniciativas concretas para incentivar as empresas a se prepararem para lidar com essa questão. Na Espanha há uma certificação para "empresas familiarmente responsáveis".

Ela foi criada pela Iese Business School, da Universidade de Navarra, com apoio do Ministério do Trabalho espanhol. Já foi usada por 21 organizações, entre elas Microsoft Ibérica e Coca-Cola España. Para conferir a certificação são levados em conta as políticas da companhia para ajudar a conciliar a vida pessoal com a vida profissional, o grau de motivação dos funcionários, a carga horária e a produtividade das equipes.

A revista americana Working Mother lançou um ranking com as cem melhores empresas para as mães que trabalham. Na lista de 2009 figuram organizações como a American Express, a consultoria Booz Allen Hamilton e o banco Goldman Sachs. Os avaliadores levam em conta informações sobre ambiente de trabalho, benefícios, questões relativas à mulher, oferta de berçário, horário de trabalho flexível e cultura do negócio. No ano passado, todas as companhias que figuraram entre as vencedoras ofereciam horário de trabalho flexível — 94% delas têm uma jornada de trabalho menor do que a permitida por lei — e 62% arcavam com os custos de saúde dos filhos dos funcionários.

Durante a licença, fi quei mais segura ao me manter online com todos CONTATO CONSTANTE COM O ESCRITÓRIO
Quando a advogada paulista Milena Araújo, de 27 anos, coordenadora de atendimento ao cliente da BMW, descobriu que estava grávida, no segundo semestre de 2007, levou um susto.

Milena Araújo, 27 anos, coordenadora de atendimento ao cliente da BMW

Naquela época, ela e o namorado começavam a fazer os preparativos para o casamento e ter um filho ainda não estava no roteiro. "Meu maior medo era que a maternidade atrapalhasse minha carreira", diz Milena. Ela estava à frente do departamento desde 2005 e temia que, no período de licença- maternidade, pudesse perder o posto.

Seu filho, Eduardo, nasceu em julho do ano passado e, durante a licença-maternidade, Milena encontrou uma alternativa para controlar a ansiedade de ficar fora por tanto tempo. Ela não trabalhou, mas ficou conectada por e-mail para acompanhar a rotina do escritório com frequência. Assim, quando voltasse, a readaptação seria mais fácil. "Foi bom para eu não me sentir perdida. Não era uma obrigação, mas isso me deixou mais segura", conta a advogada. Desde que Milena retornou ao trabalho, negociou com a chefia algumas mudanças na rotina.

Uma delas foi um intervalo maior no almoço, para poder voltar para casa e cuidar do bebê. O apoio da família também foi essencial para conciliar os dois papéis, já que os avós ficam com Eduardo durante o dia. "Sei que ele está bem e assim consigo me entregar por inteiro ao trabalho", afirma. "Ser mãe pode até deixar a rotina mais pesada, mas quando chego em casa e olho aquele sorriso gostoso do meu filho vejo que vale a pena."   Fonte: Portal Você S/A
 

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